7 de janeiro de 2018

O "segredo", segundo Gabriel Garcia Márquez


A senhora é de poucas falas, na verdade mal a conheço, mas sempre que nos cruzamos sorri e toma a iniciativa do cumprimento de ocasião. 
Um dia, à mesa do café, fomos mais longe nas palavras de circunstância e a senhora perguntou como ia o meu coração - calmo e sossegado graças a uma mão cheia de "pastilhas" diárias, respondi. 
Disse a senhora: 
- Como sempre o vi sorrir, ninguém diria que esteve com um "pé no outro lado"... 
Gargalhei moderadamente - nem sempre o sorriso é sinal despreocupado da melhor disposição, da melhor saúde. 
Gabriel Garcia Márquez "aconselhou-me" para nunca deixar de sorrir "(...), nem mesmo quando estiveres triste, porque nunca se sabe quem se pode apaixonar pelo teu sorriso". 
Mais consentâneo com a (minha) realidade sigo à risca o conselho do Nobel da Literatura:
- "O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão"

*Adaptado de um texto escrito e publicado em abril de 2011

5 de janeiro de 2018

Dupond e Dupont

Por curiosidade segui  o debate   entre Pedro Santana Lopes e Rui Rio na RTP. Um deles irá liderar o PSD a partir do próximo dia 13 do mês corrente, o que pouco me diz, confesso. Não sou partidário da “cor laranja”, mas gosto de estar minimamente informado  sobre o que se passa na “casa do vizinho”…
O título do jornal “I” de hoje não faz a coisa por menos e assegura que ” Santana põe Rui Rio  em KO técnico”! Nem mais - perdoe-se o exagero (?), mas respeite-se a opinião de quem a teve e tornou pública.
Do debate guardei de memória alguns remoques dos candidatos. Destaco Santana Lopes (por quem nutro alguma simpatia pelo facto de  ter ligações familiares na Beira Serra - a sua família paterna tem origens no concelho de Arganil), que me fez  sorrir quando “esclareceu”  que, afinal,   a dupla Dupond e Dupont, das aventuras de Tintim,   tinha seguidores em Portugal:  António Costa e Rui Rio! Ups…
Quando  Costa e Rio  lideraram as  Câmaras Municipais das duas principais cidades do país, a aproximação   amistosa (?) entre  ambos  fez correr alguma tinta na Imprensa e falatório à mesa do café, daí  a laracha!
Rio, no debate, foi claríssimo e disse, mais coisa menos coisa: “não devo nada ao António Costa, nem ele me deve nada a mim”!
Com “contas à moda do Porto” (cada um pagou a sua parte da despesa comum, se  existiu…) fiquei esclarecido: nada  de  desculpas, ao estilo: “é pá, deixei a carteira em casa, paga aí o cimbalino…”. 

- A que horas sai o barco?

Havendo rio e pessoas, 
falta o barco para navegar, rio acima, rio abaixo, que já ninguém quer um barco para transportar as pessoas, e as coisas das pessoas, de uma para a outra margem. 


Não havendo cais, o barco adormece preso à margem de uma das margens - aquela onde mora o barqueiro, que tem o barco pronto para a próxima viagem...

- A que horas sai o barco?
- Não tem horas nem hora - quando é preciso, sai o barco...
Não havendo cais, o barco adormece preso à margem de uma das margens - aquela onde mora o barqueiro, que tem o barco pronto para a próxima viagem...
...do João Brandão, "o terror das Beiras" (...) homem imperfeito do seu tempo, criminoso, homem cruel ou filantropo para o povo da sua região? (...), que chega na companhia dos seus, ainda o sol dorme. E o barqueiro também...
- Ó barqueiro, ó barqueiro - acorda  que quero passar.
Diz a lenda que "o terror das Beiras" (ou filantropo?), chegado à outra margem, tirou do alforge uma moeda e pagou a viagem
... e o sono do barqueiro,
... e a viagem do barqueiro para a outra margem - aquela onde mora  o barqueiro, que tem o barco pronto para a próxima viagem...
- A que horas sai o barco?
- Não tem horas nem hora - quando é preciso, sai o barco...

3 de janeiro de 2018

O realejo



Enquanto esperava  o cortejo
o homem do realejo
trocava olhares e sorrisos
com a boneca das pernas compridas, 
grandes, enormes.
Veio a turba a reboque das sardinhas assadas,
dos couratos e pasteis,
do bucho e da chanfana.
A boneca ganhou vida - cresceu em altura,
o realejo tocou,
o homem sorriu;
o povo sorriu,
o presidente sorriu 
- todos os presidentes sorriram -
os confrades sorriram,
o emplastro sorriu,
os homens da segurança, não.
A boneca desceu das pernas altas, 
o homem pousou a mão no realejo 
- tinha passado o cortejo!

(Memórias da  visita  de Cavaco Silva, presidente, a Arganil)





1 de janeiro de 2018

Imani Nsambe e eu

Quando o sino da torre da igreja do meu sitio anunciou a meia-noite,  e meia dúzia de foguetes poluíram o silêncio, é que dei conta do falecimento do ano velho. Trau, trau, trau - pum! É esta a fala dos foguetes, dos baratinhos, sem “lágrimas coloridas”.
Bolo rei, passas e “champanhe”, abraços e beijinhos, sorrisos e votos de bom ano. Na casa do meu amigo Armando a mesa estava posta - perto da lareira é que se estava bem...
- Vai à nossa e das nossas famílias, chim, chim – tocam-se os copos com a “Raposeira” a borbulhar. 
De regresso a casa “aconcheguei-me nos braços da Imani Nsambe ”, (…) uma jovem negra que estudou numa missão católica (…), na esperança de “dois dedos de conversa” - impossível, o telefone não permitia tais mimos, há sempre retardatários, amigos e familiares: bom ano, bom ano, com saúde, digo eu, que é o que mais desejo - a ver se me faço anunciar em dezembro, daqui a um ano…
Já tarde, em sossego, aproximei-me  novamente  da Imani Nsambe e aí fiquei,  as "minhas mãos nas mãos de Imani Nsambe".
Estou a meio da leitura do romance histórico escrito pelo meu amigo Mia Couto, “O Bebedor de Horizontes”. Foi ele, o autor, que me apresentou Imani Nsambe, a narradora dos (…) trágicos acontecimentos do final do reinado de Gaza (…).
Mia Couto “enfeitiça” o leitor com as palavras que escolhe para contar estórias e realça a história do seu (e meu!) povo com a autenticidade dos pormenores recolhidos em múltiplas fontes. A trilogia “As Areias do Imperador”, que termina com “O Bebedor de Horizontes”, é o melhor testemunho do que me vai no pensamento sobre as lendas que escutei aqui e ali, em terras de Inhambane, mais tarde em Gaza, sobre Gungunhana, o rei.
Possivelmente Imani Nsambe é figura de conveniência no romance - que importa? Hoje foi o mote para esta croniqueta de “trazer por casa” depois de um festim com espumante, “sonhos”, “fatias douradas”, “arroz doce” e, a abrir, camarões de Moçambique, possivelmente pescados nas águas de Morrumbene, a norte de Inhambane.
Bayete, Imani Nsambe!
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Vale a pena ler "AS MULHERES DO GUNGUNHANA":

https://delagoabayword.files.wordpress.com/2011/01/as-mulheres-de-gungunhana-maria_vilhena_p407-415.pdf