22 de julho de 2007

Ditos e (inter) ditos

A minha cidade tem muitas noites sossegadas – demasiado sossegadas - como hoje, recolhe-se cedo, mas aqui, no meu "universo", de tecto negro e paredes claras, onde repousam quadros do Wil de Wildt, Frenk Steffens e Rui Monteiro, iluminados por luz branca e directa, o som que me chega aos ouvidos vem do dedilhar das cordas das violas.

São dois os artistas, dois os instrumentos: uma Fender e uma Ovation que se completam como amantes apaixonados; à suavidade das cordas de nylon sobrepõe-se o timbre do aço no solo de peças musicais, tão clássicas quanto a minha mente consegue catalogar no tempo: "Guitar Tango", "Apache", "The Savage"... e mais e mais!!!

Os " Shadows" foram e são o meu grupo musical de eleição, e deles guardo "quase tudo", desde os primórdios dos seus verdes anos à década de oitenta - outra época de ouro nos arranjos de "Themes & Dreams", por exemplo.

Só o Hank Marvin poderia fazer, agora, com que me sentisse jovial no sossego do meu mundo e num tempo "quase perfeito"!

...O Sérgio e o "Zé" Augusto, às vezes, têm destas memórias, entre dois whisky's.

A Isabel trouxe uma amiga, escolheram uma mesa de canto; pediram uma cerveja e um cocktail. O taberneiro sugeriu a marca da moda, servida no copo característico, e sobre as "misturas" falou das suas invenções. A amiga da Isabel preferia outro composto: vinho tinto aquecido, rodela de laranja, um pouco de canela e uma pitada de cravinho - de fácil preparo, acrescentou.

- Intragável - pensei.

Vieram as bebidas e a Isabel, sorridente e bem disposta, sugeriu que provasse a mistela, o que fiz por simpatia.

Para o meu palato, simplesmente horrível!...

Não dei parte de fraco, corri à copa e bebi um enorme copo de água!

A noite ia alta.

Depois de saborear com deleite a beberagem, a amiga da Isabel pagou a conta e saiu.

A Isabel ficou no mesmo lugar, mas à segunda cerveja, decidiu-se pelo balcão e por ali ficámos em amena cavaqueira

Procurei ser bom ouvinte de estórias intermináveis, sem comentários: era a noite de "todos" os desabafos!

Veio outra cerveja.

Falámos de terras no "fim do mundo", de viagens feitas, de sítios que "adorávamos conhecer", de amores e desamores...

A Isabel deixou de olhar de frente, e quando voltou a fazê-lo, trazia os olhos molhados, não sorria, como sempre faz...

Concluímos que o momento era o menos próprio para recordações que se desejam esquecidas. Para sempre!

Ponto final.

..... E fiquei sem saber o nome do cocktail que, pelos vistos, é típico de países frios, como a Holanda - é o que afiança a Rita, emigrante a meio tempo no país das túlipas

- Agora percebo porque é que os holandeses gostam tanto de Portugal – diz a Rita cansada de tanta água!

Para estas duas amigas, o " sol português não as deixa" voltar às origens!

O peso dos anos tem a importância e o valor do trajecto que percorremos.
O carrego pode ser pesado se a vida foi madrasta, ou leve, se a fortuna teve sorrisos de boa vizinhança. Em qualquer dos casos, a memória funciona como arquivo de todas as coisas, boas e más.

Por vezes, de forma voluntária, recordamos outros tempos, perto ou longe do momento presente, ou é o acaso que nos faz lembrar o passado.
Casualmente, hoje, encontrei na mesa de um bar um jornalzinho que não folheava desde os tempos em que ia à Missa, aos domingos, já lá vão uns anitos. Chama-se O AMIGO DO POVO, é editado pela Diocese de Coimbra, e tem de vida mais de noventa anos!
São duas folhas "A4", de conteúdo evangelizador, naturalmente, e é informativo quanto baste.
Tinha (e tem!) uma secção que lia com enlevo: "Ao calor da fogueira" - diálogos simples e moralistas, como é o caso da edição 4280.
De tanto querer saber (e nada sei!...) tornei-me agnóstico, mas este jornalzinho transportou-me à infância na minha aldeia, ao padre Januário, às brincadeiras do pião e aos futebois no largo da escola, às reguadas da professora Georgina e aos seus preciosos ensinamentos, à primeira namoradinha, ao Peixoto (a quem sovei de raiva, certa tarde, por causa da Teresa, que era miúda de alguma beleza e sorriso brejeiro), aos passarinhos presos nas armadilhas, aos mergulhos no rio, ao Américo Cigarrada (que saudade dos peixes que agarrava à mão, no rio Alva, só para me satisfazer os desejos!...), à avó Virgínia, à mãe Natália...
O AMIGO DO POVO era o meu jornal de domingo, que lia durante a semana!

5 comentários:

  1. Tudo li...Tudo me interessou...
    Tua vivência é incomum...Mas estás muito ausente...Muito...


    bj

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  2. Que bom é o calor de cada momento, de cada recordação.

    Conforme prometido, aqui estou. De hoje em diante, com a certeza que serei leitor assíduo.

    Um abraço amigo e até já.

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  3. Para recordar

    "Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a tornou tão importante".


    Ninguém é importante se nós não o pusermos nesse lugar...

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  4. 0lá senhor lindo cuco ;) ou senhor cuco lindo como preferir, é sempre bom ter essas pessoas amigas com as quais podemos divagar sobre tudo, e verdade seja dita que para abrir recordações, não há como o 'amigo' (com muitas aspas) álcool...

    como pode constatar (constactar) estou de volta ao meu blogzinho(zao) beijinho**

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  5. Gostei dos 3 textos.
    É bom recordar e ter pessoas maigas com quem possamos falar.
    Um abraço.

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