25 de dezembro de 2007

Insónias e pesadelos

Vá lá saber-se porquê, uma noite destas tive uma insónia que me deixou mais cansado do que estava quando me deitei.
Dei conta disso depois das voltas nos lençóis; como se não bastasse o corpo maçado, também a alma ficou dorida pelo corrupio de ideias (?) que durante todo esse tempo afloraram à mente, coisas parvas, estúpidas, algumas sem sentido, mas eram ideias e pronto - guardei-as para descodificar em melhor ocasião.
Tenho para mim que a falta de sono surgiu na sequência de um daqueles pesadelos de que quase nunca nos lembramos ao acordar; coisa boa, no mínimo razoável, não terá sido...
Como é bom de imaginar, horas a fio naquele jeito incómodo de estar deram-me a volta à cabeça. Ainda peguei num dos livros que tenho à cabeceira, editado recentemente, “Rio das Flores”, de Miguel Sousa Tavares, mas a leitura não trouxe o resultado esperado; reconhece-se ao autor talento e qualidade na escrita e na palavra dita, mas este romance, a meu ver, peca pela minúcia de determinados relatos e esse pormenor enfadou-me, confesso.
A propósito do título, quando o li, pareceu familiar. Pelas dúvidas, fiz uma busca (abençoada Internet!) e encontrei: Rio das Flores é nome de cidade brasileira, pertence ao município do Rio de Janeiro! Mera coincidência, dirão, também creio…
O Brasil é um país que me seduz por múltiplas razões; “sei” de um colibri, passarito simpático, de bico esguio e ágil, que suga o néctar das flores pairando no ar com as asitas em frenética velocidade, como todos fazem; este rodopiou uma, duas, vezes, à volta da “primavera” e quase a beijou, como se fosse flor.
Será – é! – uma imagem romântica, como outras que poderia surripiar da obra do poeta Mário Quintana, por exemplo, mas basta esta para ilustrar a poesia do gesto.
Obviamente, não é só o “beija-flor” que me fascina naquele país irmão. Pouco amante da arte do samba, prefiro a dança do futebol, aprecio a paisagem “ africana” de que tenho saudade, e o quentinho do clima – outra saudade, agora ainda mais sentida pelo contraste do frio que vai fazendo por cá…
Volto à minha insónia.
È fantástico como no “silêncio do escuro” se pensa de forma profunda nos afrontamentos da vida e nas “soluções” para os problemas que carregamos diariamente!
Porém, quando vem a luz do dia, ou se acendemos a lâmpada do candeeiro da mesinha de cabeceira, aquilo que parecia ter lógica, deixa de ter, e as soluções quando muito não passam de hipóteses…remotas.
Quero dizer que devemos estar em permanente escuridão quando se procuram decisões para os problemas de vária ordem e qualidade? Nada disso - é importante que tudo seja feito às claras, sob pena ficar alguma sombra incomodativa.
Se há uma solução para determinado coisa que atrapalha, vamos a ela!
O pior é quando não se consegue enxergar uma luz ao fundo túnel e as insónias se confundem com pesadelos…

18 de dezembro de 2007

4 de dezembro de 2007

“Mondego”, o cão

Trago o Paulo Marques à ribalta da minha despretensiosa croniqueta pelo facto de ser considerado muito justamente figura pública solidária.
Diga-se, em abono da verdade, que o Paulo, “velho” conhecido de mais uma década, coloca a sua paixão por pessoas e bichos no mesmo prato da balança – no outro estão os seus afectos em actos e palavras.
A homenagem, quase privada, que lhe foi prestada no Domingo passado, teve a ausência (esperada) dos “outros amigos” a quem ele dedica especial desvelo; há, pelo menos, oitenta desses amigos de quatro patas que, se fosse possível, o teriam ido parabenizar.
Se os animais “falassem”, era isso que teria acontecido, sem qualquer dúvida, na “opinião” do rafeiro com nome rio: “Mondego”.

“Quando “criança”, o “Mondego” era o enlevo da família de acolhimento, graças à sua permanente disponibilidade para as brincadeiras dos meninos da casa. Então a Rita, traquina, não lhe dava parança um minuto, mas que importava isso se ela era a sua preferida nos jogos de “esconde / esconde” de que tanto gostava! Já o Hugo, irmão mais velho da Rita, não era flor que se cheirasse: puxava-lhe o rabo e pontapeava-o a meio da paródia.
O “Mondego” chorava, como só os cães sabem, e escondia-se fosse onde fosse logo que o Hugo começava com a “patifaria”, na honesta opinião de qualquer cão.
Apesar disso, o “Mondego” considerava que levava uma bela vida: comida da melhor, banhos, anti pulgas, vacinas – tudo com preceito, até a alcofa onde dormia merecia ar puro diário.
O “Mondego”, naturalmente, cresceu. Diz “ele” que o pior defeito trazido do tempo de “criança” era a irreverência...
Um dia, quando nada o previa, o dono levou-o a um passeio, serra acima, e enquanto se entretinha com os cheiros daquele mundo meio estranho, levou longe demais a correria, a ponto de se perder atrás de uma moita. Depois de ter erguido as orelhas e aguçado o olhar em busca do dono, concluiu que tinha sido abandonado à sorte do destino incerto
Depois de horas a fio sem rumo (ou foram dias?), apercebeu-se do barulho familiar dos automóveis que iam e vinham em velocidade estonteante.
Devagar, cansado, foi até à berma daquela estrada que nunca tinha visto assim cheia, e por lá ficou, indeciso:
- Atravesso para o outro lado, ou volto para trás? - pensava .
Todo ele tremia – o instinto dizia-lhe para ser cuidadoso.
De repente, um dos muitos automóveis, em marcha lenta, acendeu uma luzinha, como se lhe piscasse o olho, e parou mesmo ao seu lado.
Resoluto, o Paulo Marques - conheceu-lhe o nome mais tarde – pegou em si, com jeito e palavras mansas, e colocou-o no banco de trás.
A viagem foi longa. “Conversaram”, ele com latidos e abanadelas de rabo que, tinha a certeza, o seu protector entendia, e este a querer saber coisas: de onde vinha e para onde ia – coisas que, para um cão como ele, agora em segurança, eram desnecessárias…
O Paulo, disse-o na roda de amigos, “limitou-se a alterar a vida e o futuro do miúdo”, sem pensar nas consequências: espaço para alojar o “Mondego” e a “zanga” da mãe:
- Mais um, Paulo?
O pai, homem de outros cuidados, atenções e paciências, por certo conformou-se com o novo hóspede do canil, e “inventou” um lugar digno e acolhedor, de modo a que o “Mondego” se sentisse em casa.
- Bem-vindo – disse o Paulo.
Feita a “chamada” do recolher, responderam oitenta e três utentes, incluindo o “Mondego”!

5 de novembro de 2007

FLORES

À Cristina,no seu dia mais importante, porque gosta de flores
...
“…portanto, Hegel tem razão: o belo é coisa espiritual e cada um entende a beleza segundo os contornos da sua sensibilidade…”
Dos bancos da escola sempre fica algo mais do que conhecimento e as memórias estão, por norma, presentes – fazem, até, questão disso!
Dos clássicos da filosofia, gosto do Hegel.
Bem vistas as coisas, à distância de uns anitos, fui “obrigado” a gostar, graças ao empinanço a que a professora obrigava, coisa aborrecida, é bom de imaginar, sobretudo quando a mente viajava para longe da sala de aulas, se estas coincidiam com o fim de tarde, os corpos a pedir praia, porque o calor africano é, como se sabe, assim para o quentinho…
Hegel, entre outras coisas que me deram volta aos neurónios, baralhou-me as ideias quando, do alto da sua cátedra, foi dizendo que o belo é coisa espiritual de cada indivíduo, nunca um objecto material, etc, etc. A sua obra, “A Estética do belo”, que li de fio a pavio, é fascinante; foi pelas ideias do filósofo que encontrei algumas respostas, como por exemplo, gostar de flores, de dar e receber.
Tenho para mim que a flor (seja ela qual for!) é uma dádiva dos deuses para o encantamento do espírito; portanto, Hegel tem razão: o belo é coisa espiritual e cada um entende a beleza segundo os contornos da sua sensibilidade.
Assim sendo (?), a senhora que um dia destes afiançou não gostar de flores, é bem capaz de travar algumas lutas intestinas com o seu (dela) espírito.
Na verdade, fiquei deveras incomodado pela situação que se seguiu: ambos argumentámos, eu em defesa das indefesas criaturas (algumas enfeitam-se de espinhos de modo a cuidarem da sua segurança), a senhora simplesmente… não gosta de flores, e pronto! O amigo que a acompanhava, socorreu-me com preceito, a ponto da disputa das palavras de ambos a ter feito recuar: -“ bem, não é não gostar, não gosto é que me dêem flores”!
Melhor assim. Ou a opinião final foi consciente, e eu retiro as “lutas intestinas” que deixei acima em letra de forma, ou a senhora foi gentil e cordata, não fosse o diabo tecê-las….
De sensibilidade em sensibilidade, “aparecem os mortos”, já defuntos e enterrados, presenteados com flores como é tradição – flores de todos as matizes e formas. Para os vivos, o “seu” dia não teve trabalho oficial, o que foi óptimo para quem fez “ponte” e foi de abalada a outras paragens (no Brasil, diz a Cristina, vai o tempo em que se fazia uma pausa de dois dias, agora basta um, no dia 2).
Os cemitérios ficaram engalanados e não importa se as flores tinham algum significado afectivo para quem ofertou, ou para quem recebeu. Que as campas ficaram decoradas com algum esmero, é verdade…
Eu, que gosto de flores e ainda pertenço ao mundo dos vivos, espero, sinceramente, que os meus amigos continuem fieis aos seus hábitos, sobretudo daqui a uns dias, ainda em Novembro…

22 de outubro de 2007

Caloiros “à solta”


“(…)O Ginja II, que tem jeito para o canto,

Apresentava-se com um estilo de penteado com tendências futuristas,

deu nas vistas - pelo menos enquanto não visitou o barbeiro para acerto das escadinhas laterais, entre as orelhas e o cocuruto(…)”

Não perco pitada das estórias contadas em jeito de crónica pelo escritor Rui Zink, daí que procure alguns dos seus subsídios para meios sorrisos eloquentes, como o excerto deste texto: “Dinossauros excelentíssimos”, que pode ser lido nas suas crónicas benditas: “Luto pela felicidade dos portugueses”.

“…Ao almoço, no restaurante:

- O que recomenda?

- O pargo está uma delícia, e além disso é licenciado em Económicas

- Hum… licenciado em Económicas…

- Mas olhe que está uma categoria…

- Eu sei, mas queria qualquer coisa mais substancial. Não tem nada com mestrado?

- Peixes não, mas tenho umas costeletas de vitela que estão a tirar o doutoramento em Oxford. Fritinhas e servidas com batatas da Católica ficam uma maravilha”.

O diálogo saboroso bem podia fazer parte de um Sketch a que os novos caloiros estariam sujeitos, se a Praxe académica tivesse outros contornos de entretenimento puro, o que não invalida a comicidade dos parodiantes em situações inventadas, na hora, pelos doutores.

Graças aos noviços da ESTGOH fiquei a saber que o balcão do bar onde alguns estudantes foram vítimas da Praxe, mede “quase” oitenta paus de fósforos; não acredito, apesar dos encarregados, na proporção de três para um (trabalhador), garantirem a autenticidade dos cinco centímetros de cada amorfo.

As dúvidas resultam do facto de, entre eles, apesar da sobriedade com que se apresentaram ao trabalho, não existir consenso quanto às metades que faltam ou sobram a cada ladrilho: que fazer aos sobejos dos ditos? Ou será que são pequenos em demasia?

Em defesa da lógica, o doutor Carlos Maia “Fiúza”, filósofo de ocasião, apontou uma garrafa de Porto e do alto da sua insigne sabedoria, discursa:

- Isto é simples: para mim, a garrafa está meia vazia; aqui para o Ginja, meia cheia!

O Ginja II, que tem jeito para o canto, apresentava-se com um estilo de penteado com tendências futuristas e deu nas vistas - pelo menos enquanto não visitou o barbeiro para acerto das escadinhas laterais, entre as orelhas e o cocuruto. Pensativo, o Ginja II, como se imagina, concordou com o mestre, não fosse este ordenar punição maior pela irreverência do contraditório.

A tertúlia compôs-se, segundo o grau e qualidade de quem ia chegando – pessoas ilustres e ilustradas pelo traje negro sem pergaminhos, por ora, a saber: doutores Hélder Pinto, Romeo (com o, sim senhor …) Vieira “Laurent Robert”, Bruno Gomes, e Carlos Maia ”Fiúza”, os engenheiros Santarém, “o campino”, Álvaro Ferreira,”o músico”, a que se juntaram os afilhados Mi Gusto, Lloyd e Roger. Faltaram à chamada o doutor João Paiva, “o teórico da bola”, possivelmente a congeminar nova táctica que possibilite vitórias ao seu clube, e o engenheiro João Bagorro, “o alentejano”, talvez a meio da única “imperial” do dia!

A coberto dos cuidados paternos, alguns ficaram no anonimato, como convém.

Para o Ludovic Costa, “o francês”, 23 anos de idade, licenciado em Económicas, voltar a ser caloiro em Engenharia Civil, “é obra”!

A ESTGOH começa a ser aliciante para a classe estudantil, daí que a Praxe se instale com cânones próprios - falta eleger o Dux Veteranorum!!

Perante “malta” de tal jaez, espera-se, em Oliveira do Hospital, um ano lectivo recheado de bons costumes académicos.

Quanto às aulas, há tempo, “o ano só agora começou” – palavra de caloiro!

8 de outubro de 2007

Monumento a quem merece


Por isso, a hipotética ideia (do monumento…),
ainda que risonha, brejeira, irónica, sarcástica, pouco, muito ou nada séria, tem pernas para andar – os clientes merecem!
Haja quem a proponha em letra de forma junto das competências devidas!
Depois, logo se vê…

A proximidade afectiva torna suspeita a opinião que tenho do dono de certo bar da cidade. Diria até que estamos tão próximos que nos “confundimos” pelo riso de uma boa piada; como o grande poeta Mário de Sá Carneiro disse de si; “eu (também) não sou eu nem sou o outro…”, enfim – daí esta confusão de personalidades que, bem vistas as coisas, nada tem de bizarro...
Ora, se pelo riso nos entendemos, quando a “graça tem piada”, foi esse o trejeito que nos ficou dependurado após leitura apressada, depois vagarosamente repetida, da parte final do terceiro parágrafo da peça publicada pelo CBS na edição anterior, a propósito de uma praceta da cidade, onde, por coincidência, eu e o meu amigo, dono do tal bar, coexistimos de forma fraterna e solidária.
O corpo da notícia, na verdade, não justifica, a meu ver, o espaço desta croniqueta, mas o pequeno “pormenor” do presidente da edilidade de Oliveira do Hospital, num momento de saudável disposição, acrescentar à sua resposta, a propósito da necessidade da requalificação da tal praceta, onde eu e o meu amigo coexistimos pacificamente, insisto, a lapidar frase:”… a não ser que o senhor queira lá colocar um monumento aos frequentadores do Ritual Bar”, (como se isso constasse das ideias de quem propunha intervenção camarária), merece, pelo menos, um meio sorriso e um pequeno “devaneio” da minha parte, com a aquiescência do meu amigo, claro está…
A notícia é para ser lida no seu todo, por isso remeto os leitores para a dita – ficarão a conhecer as “causas” da ironia do presidente da edilidade oliveirense, como está escrito no CBS.
Imaginemos que a proposta incluía, além do corte dos arbustos e arranjo dos passeios, um monumento para embelezar a praceta (o que não seria de todo descabido, na pessoa do seu patrono, o poeta Manuel Cid Teles)…
Então, particularizar determinado estabelecimento comercial e os seus ilustres clientes (ilustres, digo bem – de outro modo não justificariam a “estátua”) seria uma atitude simpática, no meu modesto raciocínio, e reflectia a importância do mesmo em determinado contexto; no caso, com ou sem ironia, o presidente da edilidade do “meu concelho” por certo pretenderia exaltar uma mão cheia de actos culturais levados à prática no tal bar durante oito anos – oito –, que me dispenso de recordar por serem sobejamente “visíveis” aos olhos de quem quer ver, perante a presença de gente elegante no porte, de classes sociais díspares, atentas e respeitosas.
Tamanha honraria bem poderia ser aplicada, por inerência de atitudes semelhantes, a outros estabelecimentos similares e aos seus fiéis e cordatos clientes; eu e o meu amigo entendemos que o “sol quando nasce é para todos”: para uns, o aconchego do entretenimento espiritual pode ser um sarau de poesia, uma noite de boa música ou a contemplação de uma exposição de pintura; para outras, uma sessão de anedotas ou uma noitada de jogo de cartas, por exemplo, têm o mesmo efeito reparador das maleitas da alma. Por isso, a hipotética ideia (do monumento…), ainda que risonha, brejeira, irónica, sarcástica, pouco, muito ou nada séria, tem pernas para andar – os clientes merecem! Haja quem a proponha em letra de forma junto das competências devidas! Depois, logo se vê…
Enquanto me distraio com a escrita nesta ânsia indomável de escrevinhar coisa que mereça leitores – um que seja! – o meu amigo, coitado, faz de Villaret no “Cântico Negro”:
"Vem por aqui — dizem-me alguns com os olhos doces”
“ (…) Sei que não vou por aí”!
Entre o princípio e o fim do poema, fica o inconformismo do grande poeta José Régio.

25 de setembro de 2007

Aquilino Ribeiro e Alves Redol - os “novos” escritores


Constantino Cara-Linda, “cantigas” ou “cuco”, dependia de quem o interpelava, foi moço do Freixial, lá para as bandas de Vila Franca de Xira, e inspirou Alves Redol, de quem foi vizinho e amigo.





A sensibilidade do escritor deu forma à estória de "Constantino – guardador de vacas e de sonhos", obra literária onde voltei a encontrar o povo ribeirinho de Vila Franca, como acontecera em "Fanga" e na "Barca dos sete lemes"; as duas primeiras tenho-as agora à mão, embora lá por casa existam mais umas quantas do mesmo autor.

Quando comprei o livro "Constantino…" (não recordo a data), já a obra ia na sétima edição, e "Fanga", em 1963, contava com seis!

Hei-de voltar lá mais para diante ao Constantino Cara-Linda, o "cuco rambóia"; por ora fico-me pela opinião modesta que desejo partilhar, a propósito de outro vulto enorme das letras e que por estes dias mereceu justa homenagem: Aquilino Ribeiro.

Trago à minha croniqueta dois autores que escreveram com as palavras do povo aquilo que o povo diz nas estórias que constrói – coisas reais nos romances que foram buriladas com a mestria de quem "…nasce (o escritor) todos os dias, insubmisso e firme, tanto para detectar injustiças, qualquer que seja a sociedade onde viva, como para repudiar o próprio ripanço que se apodera de alguns…" (Alves Redol).

Possivelmente, Aquilino Ribeiro teria assinado por baixo o respigo da frase do prefácio de "Fanga"!

"Reproduzir a linguagem de um rústico, já não digo com fidelidade, mas artificio, redundaria num árduo e incompensável lavor literário. O que se comete foi filtrá-lo, mais na substância do que na forma…" – disse Aquilino, a propósito da novela "O Malhadinhas", um dos clássicos que se estudava no meu tempo do liceu.

Por aqui se vê como o escritor rebuscava a linguagem do povo em proveito do enredo das suas estórias; outro exemplo: "A Casa Grande de Romarigães", saboreia-se da paisagem às trutas do rio o encantamento do relato que prende o leitor.

Com culturas e vivências diferentes, dir-se-ia que na escrita isso seria notório – de facto é, menos nos "retratos" do ambiente rural…

Os dois foram republicanos convictos e tiveram do País uma imagem lúcida no tempo. Aquilino está, diz-se, associado à conjura do regicídio, como agora certa sociedade deu nota e saliência a propósito da trasladação os seus restos mortais para o Panteão Nacional.

Redol, nas suas obras, foi mestre nos subterfúgios da linguagem de modo a "fugir" ao lápis da censura., implacável, como se sabe, nos cortes a direito e de viés sobre tudo e sobre aqueles que não estiveram ao jeito do poder instalado.

Lamento que um e outro continuem esquecidos do público leitor, mas um dia destes, quem sabe, talvez renasçam das cinzas como "novos escritores" – foram as cinzas de Aquilino que o trouxeram de volta à nossa memória colectiva!

Quanto à lembrança de Alves Redol, a culpa foi do Hugo quando me apresentou a namorada:

-É a Rita, Rita Cara-Linda.
Nem mais: "Constantino guardador de vacas e de sonhos" – lembram-se?
Coincidências…

14 de setembro de 2007


14 de outubro de 2006: o mundo esteve para acabar sem aviso prévio!Alguém deu conta?

10 de setembro de 2007

Quanto mais tarde, melhor

.'.
(Recupero a morte do meu canário, em memória do grande tenor Pavarotti)

A saudade é um “sentimento” semelhante ao amor, paixão, ódio… desprezo?

Segundo uma “ordem de grandeza”, onde deverá ficar colocada?

E a saudade, enfim, também é sinónimo de nostalgia?

Uma tarde destas, numa roda de amigos, ocupámo-nos com o tema de forma assaz calorosa, dado que, cada um de nós, tem da saudade opinião semelhante, mas díspar no conteúdo, segundo a sensibilidade, o que me parece perfeitamente normal.

Leio no dicionário que tenho à mão: saudade - sentimento melancólico causado pela ausência ou pelo desaparecimento de pessoas ou coisas a que se estava afectivamente muito ligado, pelo afastamento de um lugar ou de uma época, ou pela privação de experiências agradáveis vividas anteriormente; nostalgia - sentimento de tristeza motivado por profunda saudade, especialmente de quem se sente estranho, longe da pátria ou do seu lar.

Fica claro que a saudade e a nostalgia andam de mãos dadas e fazem parte das emoções fortes de todos os humanos.

Segundo a “Porto Editora”, é um sentimento e não se fala mais nisso – cada um terá de a colocar a jeito na lista das suas preferências, segundo o “grau de qualidade”.

A nossa discussão teve “picos de audiência”, bem perto da hora do jantar; o Rui, entre o silêncio e o meio sorriso, sugeriu a leitura de “Ignorância”, do escritor checo Milan Kundera , que, a propósito da nostalgia e da tristeza, escreve: “…Para esta noção fundamental, a maior parte dos europeus pode utilizar uma palavra de origem grega (nostalgia) e, além disso, outras palavras com raízes na sua língua nacional: añoranza, dizem os Espanhóis; saudade, dizem os portugueses. Em cada língua, estas palavras possuem um matiz semântico diferente…”.

Ora, de longe, um escritor de prestígio como é Kundera, aproxima-se com realismo do “fado português” (com toda a carga poética que lhe queiramos transmitir) e da palavra saudade que, segundo alguns tradutores britânicos, está classificada em sétimo lugar na tabela das mais difíceis de traduzir! Temos outra com as mesmas características?

Para os nosso irmãos de Cabo Verde, ficou sodade ou sodadi, tal a influência linguística, e é assim, com sodade, que os milhares de emigrantes cabo-verdianos sentem a ausência, tal como nós, da Pátria, da família, dos amigos, dos cheiros e sabores, da paisagem – de tudo que fica na memória, até dos sonhos!

Saudade e nostalgia podem associar-se à efeméride que, por qualquer razão, deixou marca na nossa sensibilidade. Escolho a “minha”: 14 de Setembro de 2006, meia tarde!

Outro tanto, se recuar uns dias para recordar a morte de um belo canário (1), cantor e sedutor como todos os canários - acontecimento comezinho, dirão…

Um dia, pela manhã, encontrei-o “adormecido” a um canto do “palacete de uma assoalhada”, onde havia instalado um trapézio se exercitar.

Fiquei triste - estou triste com o silêncio eterno do meu “amigo”; com alguma pompa, deixei-o aconchegado em campa rasa, debaixo dos “Kivis”, espalhei pétalas de rosa, e elevei a “oração”, que se justificava no momento, a todos os deuses do Olimpo, numa tentativa de marcar na lista de espera novo encontro, de preferência ao som de belos trinados, mas quanto mais tarde, melhor, porque, por ora, continuo a escutar os solos do “Bocelli” – um belo canário, cantor e sedutor como todos os canários.

Quanto à saudade, bem…a saudade – o “tenor” faz parte das lembranças das coisas mortas da minha saudade, por ter sido a única “coisa” viva da minha nostalgia.

(1)

Pela qualidade do trinar, tinha o cognome de “Pavarotti”.

Esta manhã, soube pela TSF que o eterno Luciano Pavarotti tinha morrido.”Estranha” coincidência.

Membros da minha família dos afectos, conhecedores do meu apreço pelo maior “tenor do mundo”, associaram-se ao meu pesar.

Respigo a mensagem da Lena:

Morreu o Pavarotti.
O segundo.
Morreu numa tentativa frustrada de ultrapassar o seu cantor.
Difícil não sentir também mágoa.
(Os vínculos fazem tanta diferença!)
Viva Pavarotti! Viva a música!

31 de agosto de 2007

A emoção de ter inveja





Alguns dos meus amigos estão de férias e a minha inveja é proporcional à qualidade imaginária das ditas, isto é: se o destino foi a Figueira, vá que não vá; Algarve, eriçam-se os cabelos, se foram de abalada até Punta Cana e arredores, começo a ficar vermelho, mas quando me chegam notícias da velha Europa, do tipo: “olá, por aqui está tudo bem, estou a jantar em Varsóvia (…), a passear por Riga (capital da Letónia, imaginem!) …”etc e tal, chispo labaredas!
A inveja é um tipo de sentimento interessante, estou de acordo com Rui Zink, escritor de mérito - que aprecio por certa linguagem desabrida - porque quando existe, a inveja, é sinal de que ambicionamos o mesmo que o parceiro do lado: emprego “fixe” e bem remunerado, talvez um carrinho com motor, mais atual, mesmo uns dias de férias em paragens de puro exotismo panfletário, por exemplo….
Diz o escritor: 
- “…Calar uma emoção tão salutar como a inveja, que é o desejo de estar melhor (e não necessariamente o desejo de o outro estar pior), leva a quê? Ao sufoco, à castração emocional…” – uff, nem mais!
A partir deste “elogio”, alguém se atreve a condenar uma das minhas invejas, por mais pequenina que seja?
(Haverá outras “invejas” que não são próprias de gente de bem, mas enfim...).
Ora, a minha inveja, perfeitamente assumida, não é incomodativa, apesar de tudo, e como não faço uso dela, fico-me pelas raivinhas, igualmente invejosas e assumidas, sobre as viagens, passeios e visitas turísticas dos meus amigos.
Bem gostaria de outros horizontes “nas minhas férias”, mas como estão longe do alcance do meu mealheiro, desta vez,  fui  à rotunda da “Iral”, vi ao pormenor a escultura do Luís Queimadela, que tem feito levantar o som cavo das tubas, desavindas com a estética do belo, mas isso não é importante (como posso apreciar música clássica, se lá na aldeia, quando era miúdo, só ouvia a banda filarmónica?) - para bom entendedor… –, “descobri recantos escondidos” do parque do Mandanelho, passei um excelente fim de tarde nas Caldas de S. Paulo, na companhia de amigos, voltei à Bobadela, enfim , andei por aí...
A propósito de música erudita: apesar de tudo, fui habituando o ouvido, quando era adolescente, e hoje sou mediano consumidor, graças ao tempo de África. Sem televisão, socorria-me  do Rádio Clube de Moçambique...
“Sofri as consequências” do festival de Woodstock, apaixonei-me pela música dos Beatles, Shadows, Amália e outra gente famosa do Show Business internacional; gostei do Conjunto 1111, Quinteto Académico, Tony de Matos, Simone de Oliveira, e de outros artistas da casa - e ainda  fui a tempo de ver “nascer” o Marco Paulo para consumo interno…
Falava de férias e da "inveja que me corrói as entranhas" pelo gozo com que os meus amigos ostentam o tom moreno trazido da praia.
- Aqui para nós: a praia,  com o mar a perder de vista, é uma "chatice", tem  areia em demasia, água salgada, ondas revoltas, sol, muito sol… calor! Praia de jeito é a que tem esplanadas, mesas e cadeiras confortáveis, cervejinhas bem frescas, e, já agora, uns camarões grelhados para desenjoar da bebida...
-
Recordo que o ano passado, por esta altura, sofri da mesma maleita.
Dados os factos passados e presentes, acho que sou portador de um “vírus crónico” que não se dá nada bem com este tempo… de férias.
-“Hoje estou em Tallinn ( capital da Estónia) e estou a adorar"… – escreve a Graça, para me “irritar”, só pode.
Quando voltar, há de contar tudo, tintim por tintim…

29 de agosto de 2007

Morreu o "Pavarotti"




(...)

E tenho roseiras, muitas roseiras, rosas lindas, com cheiro, que me lembram amores caídos ( sempre a rosa, de preferência vermelha, nos momentos mágicos... e outros como este, espiritual, etéreo, pk não?).

Hoje dei com o meu "Pavarotti" ( um belo canário, cantor e sedutor, como todos os canários esbeltos e.. cantores!) caído num canto da prisão que lhe servia de guarida - uma assoalhada com trapézio onde o tenor exercitava o físico. Fiquei triste, estou triste, sobretudo depois do funeral em campa rasa, debaixo dos "Kivis". Com "pompa" e em silêncio cobri a sepultura com... pétalas de rosa.

O "Pvarotti" era a lembrança mais próxima de um amor "morto" , faz agora um ano, de curta duração. Coincidência, não?

Comprado "a meias", sobrou do espólio do "divórcio" (?) como coisa viva - tudo o resto são coisas mortas, menos as lembranças.

Partilho o "desgosto" sem lágrimas. Entenda-o como uma metáfora, como espero que entenda e aceite outras que deixei:"paixão", "amor","dedicação"...

(...)

Existe, sei que existe pk "toco" com gestos delicados a sua alma quando a encontro, errante. E se “ela” sorri, sei que é sua – só pode ser a sua!

As suas “cartas” nunca me cansam; se são pequenas, “sabem a pouco”.Adoro cheiros e paladares, para que saiba: tenho África no “sangue” e fui, num tempo passado, o “branco mais preto” daquele sítio de nostalgias permanentes, como disse “seu” Venicius de Morais.

Cá para mim, Mia Couto ainda não se atreveu a dizer o mesmo para que não seja apelidado de “surripiador”.

Ah, e de José Mauro de Vasconcelos, conhece “Meu pé de laranja lima”? Nem sei pk recordei a obra, que nada tem a ver com o Antoine de Saint Exupéry – este sim, estamos de acordo, paixão mútua, e ainda bem, para que me reveja na sua sensibilidade; por favor, permita que a minha fique por perto…

Fraternalmente,

… Carlos

13 de agosto de 2007

Para recordar...



“Pianíssimo” no Ritual Bar – sucesso com a “prata da casa”

Sob a direcção do maestro Rui Marques, o Ritual Bar levou à cena um sarau pouco visto na cidade!

O espectáculo, concebido para ser apresentado em espaços de dimensões reduzidas, teve a participação de Paulo Ribeiro ( voz, guitarra portuguesa, viola), Catarina Pereira (voz, violino) e de Ricardo Marques ( flauta); a intervenção de Patrick Gonçalves (violino) completou o grupo de jovens e talentosos músicos oliveirenses.

O maestro da Tuna de Penalva e professor Rui Marques (direcção, voz, piano, viola), conseguiu prender, por completo, a atenção do público, que lotou aquele espaço, graças à apresentação de um reportório criteriosamente seleccionado.

De improviso, participaram, ainda, dois elementos do quarteto “Chiminu’s Band” e Tó Zé Amaro.

Simbolicamente, Miguel Torga, nas vésperas do aniversário do centenário do seu nascimento, foi alvo de singela homenagem através da leitura de dois poemas pelo professor Álvaro Assunção.

Na plateia, entre outros convidados, esteve presente a Vereadora da Cultura da Câmara Municipal.

9 de agosto de 2007

Contagem decrescente


“…gasto”, talvez - aceito que já não corro

atrás de uma bola

como o fazia quando tenha vinte anos,

ou “fora de moda” para as “miúdas” de trinta,

ou mesmo dos quarenta,

e mais não digo…


Os filósofos da bica e alguns “entendidos da matéria”, entre duas “imperiais”, especulam de forma brejeira (sem necessidade, digo eu…) sobre a idade de cada conviva, e não é de admirar um “puto de quarenta” dizer a outro, na mesma faixa etária, que está a ficar “velho”, ou já lá mora, quando ela, a velhice, se faz anunciar com uma simples e fugaz enxaqueca, por exemplo, ou se determinado “jovem” assume cansaço físico depois de uma noite de pândega. (Há indícios bem mais aborrecidos, e desses quero distância, nem os “enuncio”).

Depois, há sempre um ou outro, de conversa mais séria na aparência (rosto fechado, voz timbrada, palavras eruditas…), que afirma ser a velhice coisa natural! Um deles chegou a encadear uma ladainha, que começou na concepção da vida e terminou…na “terceira idade”.

Na verdade, a contagem decrescente pode ser contabilizada a partir do momento da fecundação, mas imaginar uma criança daí a uns bons e largos anos, no tempo do ocaso da sua existência, não é ideia que se tenha, sobretudo quando os mais pequenos nos brindam com gestos de inocência e/ou palavras de excelsa ternura, deduções lógicas e inteligentes na curiosidade – momentos de espanto e admiração que guardamos na caixinha das memórias como autênticas relíquias.

A Margarida contou-me que o infante Guilherme só come peixe se este lhe aparecer no prato, inteiro, da cabeça ao rabo; de resto recusa-se a ingerir qualquer posta de “peixe mutilado”, que é como quem diz, na sua imaginação, retalhado aos pedaços, grandes ou pequenos. Mas do que o Guilherme não gosta mesmo nada é de “morangos mortos”! – nem mais nem menos gelados ou iogurtes onde apareçam bocadinhos daquele fruto.

Uma vez, um dos meus filhos, o Carlo, resolveu semear um caroço de laranja num dos vasos com plantas, que ornamentavam a entrada do prédio onde habitávamos; a sua maior preocupação era, no futuro, o crescimento da árvore e os frutos que haviam de nascer - certamente os vizinhos iriam “roubar as suas laranjas” , e isso não admitia!...

Enfim, “estórias” que Fernando Pessoa por certo quis retratar de forma sublime quando escreveu que o “melhor do mundo são as crianças”!

“Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças…”!

Este “devaneio”, não tem nada a ver com o tema da croniqueta – ou terá? Adiante.

Estou em acreditar, por completo, em algumas das teorias sobre a velhice, mas a Catarina, há pouco, “baralhou-me” com o que aprendeu na Universidade.

Simples: diz-se que uma pessoa é idosa (velha…) a partir dos sessenta e cinco, e muito idosa (demasiado velha…) depois dos oitenta! O meu dicionário, porém, é mais pragmático: velho, significa muito avançado em idade, antigo, que já não está em uso; fora de moda; antiquado; muito usado, gasto; homem de idade avançada, ancião. Sobre a pessoa idosa: que tem bastante idade; velho; senil!

Senil?!

Uff…tento dar a volta ao texto e “localizar-me” nas definições de forma airosa, gentil e simpática!!!

Aqui para nós, não me revejo em nenhuma das características enunciadas; “gasto”, talvez - aceito que já não corro atrás de uma bola como o fazia quando tenha vinte anos, ou “fora de moda” para as “miúdas de trinta, ou mesmo dos quarenta, e mais não digo…

Como se compreenderá, sou suspeito numa auto análise, assim, deste jeito, como quem se confessa ao prior da freguesia, mas espero que me dêem o benefício da dúvida, embora reconheça que, um dia destes, depois de estar horas à espera do médico de família, no Centro de Saúde - eu e mais umas vinte pessoas, com os seus achaques, algumas com idade inferior à minha, cansadas e desgastadas pelo trabalho árduo do campo – senti-me velho por dentro! Pensamento estranho porque sempre valorizei muito mais o “espírito” eternamente jovem (pensava eu!) do que o “invólucro” com que cubro os ossos.

Enfim, “isto” tinha de acontecer, mais dia, menos dia – só falta chegar a idade da reforma, mas ainda há imenso tempo para me dedicar à delícia de ver os netos crescerem no "dolce far niente".

7 de agosto de 2007

22 de julho de 2007

Ditos e (inter) ditos

A minha cidade tem muitas noites sossegadas – demasiado sossegadas - como hoje, recolhe-se cedo, mas aqui, no meu "universo", de tecto negro e paredes claras, onde repousam quadros do Wil de Wildt, Frenk Steffens e Rui Monteiro, iluminados por luz branca e directa, o som que me chega aos ouvidos vem do dedilhar das cordas das violas.

São dois os artistas, dois os instrumentos: uma Fender e uma Ovation que se completam como amantes apaixonados; à suavidade das cordas de nylon sobrepõe-se o timbre do aço no solo de peças musicais, tão clássicas quanto a minha mente consegue catalogar no tempo: "Guitar Tango", "Apache", "The Savage"... e mais e mais!!!

Os " Shadows" foram e são o meu grupo musical de eleição, e deles guardo "quase tudo", desde os primórdios dos seus verdes anos à década de oitenta - outra época de ouro nos arranjos de "Themes & Dreams", por exemplo.

Só o Hank Marvin poderia fazer, agora, com que me sentisse jovial no sossego do meu mundo e num tempo "quase perfeito"!

...O Sérgio e o "Zé" Augusto, às vezes, têm destas memórias, entre dois whisky's.

A Isabel trouxe uma amiga, escolheram uma mesa de canto; pediram uma cerveja e um cocktail. O taberneiro sugeriu a marca da moda, servida no copo característico, e sobre as "misturas" falou das suas invenções. A amiga da Isabel preferia outro composto: vinho tinto aquecido, rodela de laranja, um pouco de canela e uma pitada de cravinho - de fácil preparo, acrescentou.

- Intragável - pensei.

Vieram as bebidas e a Isabel, sorridente e bem disposta, sugeriu que provasse a mistela, o que fiz por simpatia.

Para o meu palato, simplesmente horrível!...

Não dei parte de fraco, corri à copa e bebi um enorme copo de água!

A noite ia alta.

Depois de saborear com deleite a beberagem, a amiga da Isabel pagou a conta e saiu.

A Isabel ficou no mesmo lugar, mas à segunda cerveja, decidiu-se pelo balcão e por ali ficámos em amena cavaqueira

Procurei ser bom ouvinte de estórias intermináveis, sem comentários: era a noite de "todos" os desabafos!

Veio outra cerveja.

Falámos de terras no "fim do mundo", de viagens feitas, de sítios que "adorávamos conhecer", de amores e desamores...

A Isabel deixou de olhar de frente, e quando voltou a fazê-lo, trazia os olhos molhados, não sorria, como sempre faz...

Concluímos que o momento era o menos próprio para recordações que se desejam esquecidas. Para sempre!

Ponto final.

..... E fiquei sem saber o nome do cocktail que, pelos vistos, é típico de países frios, como a Holanda - é o que afiança a Rita, emigrante a meio tempo no país das túlipas

- Agora percebo porque é que os holandeses gostam tanto de Portugal – diz a Rita cansada de tanta água!

Para estas duas amigas, o " sol português não as deixa" voltar às origens!

O peso dos anos tem a importância e o valor do trajecto que percorremos.
O carrego pode ser pesado se a vida foi madrasta, ou leve, se a fortuna teve sorrisos de boa vizinhança. Em qualquer dos casos, a memória funciona como arquivo de todas as coisas, boas e más.

Por vezes, de forma voluntária, recordamos outros tempos, perto ou longe do momento presente, ou é o acaso que nos faz lembrar o passado.
Casualmente, hoje, encontrei na mesa de um bar um jornalzinho que não folheava desde os tempos em que ia à Missa, aos domingos, já lá vão uns anitos. Chama-se O AMIGO DO POVO, é editado pela Diocese de Coimbra, e tem de vida mais de noventa anos!
São duas folhas "A4", de conteúdo evangelizador, naturalmente, e é informativo quanto baste.
Tinha (e tem!) uma secção que lia com enlevo: "Ao calor da fogueira" - diálogos simples e moralistas, como é o caso da edição 4280.
De tanto querer saber (e nada sei!...) tornei-me agnóstico, mas este jornalzinho transportou-me à infância na minha aldeia, ao padre Januário, às brincadeiras do pião e aos futebois no largo da escola, às reguadas da professora Georgina e aos seus preciosos ensinamentos, à primeira namoradinha, ao Peixoto (a quem sovei de raiva, certa tarde, por causa da Teresa, que era miúda de alguma beleza e sorriso brejeiro), aos passarinhos presos nas armadilhas, aos mergulhos no rio, ao Américo Cigarrada (que saudade dos peixes que agarrava à mão, no rio Alva, só para me satisfazer os desejos!...), à avó Virgínia, à mãe Natália...
O AMIGO DO POVO era o meu jornal de domingo, que lia durante a semana!

Um pouco da "minha " cidade

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8 de julho de 2007

Seis “pompons” na beira da estrada

"Encontros imediatos"

Ouvi na rádio que a Câmara Municipal de Arouca, no distrito de Aveiro, está a projectar no terreno uma iniciativa fora do vulgar, tendo em vista dinamizar o turismo rural

Recorro à página oficial da “ANCRA” - Associação Nacional dos Criadores da Raça Arouquesa” e fico a saber que “…as vacas adultas, de manhã são levadas para o monte onde passam todo o dia e só regressam já de noite. Os vitelos ficam na "corte". Mamam antes da vaca sair, e, quando ela regressa do monte…” .

Portanto, a estória que ouvi de fugida, tem a ver com esta espécie de gado bovino que se alimenta nos baldios da região, mas o que prendeu a minha atenção, foi o pormenor da ideia: qualquer um de nós pode adquirir um animal desta raça (ou mais!), que terá um chip incorporado no dorso de modo a ser localizado com facilidade enquanto vagueia pelos montes. A entidade responsável pelos cuidados dos animais, sedeada no local, a qualquer hora do dia, pode ser contactada pelo proprietário e este, se desejar, pode visitar o seu animal no habitat natural. O dono também pode negociar a sua vaca com quem entender, mediante certas regras, etc, etc – ouvir as notícias na rádio, a meio, não é o mesmo que saber das ditas pelo jornal, porque, pela leitura, ficamos com a informação por inteiro, podemos voltar a trás, reler…

Interessante, na minha opinião, a iniciativa, quase cópia do que o Jardim Zoológico pratica quando nos decidimos “apadrinhar” determinado animal, contribuindo para o seu sustento; neste caso, a vaca pode ser negociada e é bem possível que apareçam “investidores” interessados no lucro…

Por falar em “apadrinhar” animais (e agora começa outra estória, inspirada na iniciativa da Câmara de Arouca), há uns tempos atrás dei de caras com duas raposas, ainda jovens, penso, que se cruzaram comigo quando ia para casa, noite alta. Apesar de conduzir devagar, diminui ainda mais a velocidade do meu carro e fiquei a vê-las, por segundos, numa “luta” sem intenções perigosas, digo eu. Terminada a brincadeira, foram à sua vida, atravessando a estrada. A partir desse dia, pelo menos uma está “á minha espera”, e logo que a luz dos faróis a ilumina, levanta-se, olha para “mim”, e passa para o outro lado, perdendo-se no mato que, por ali, é rasteiro.

Acredito que os progenitores andem por perto, mas como as “nossas relações são pacíficas”, não creio que “aconselhem” os filhotes a mudarem de pouso. O mesmo “dirão” os esquilos que de quando em vez vejo saltitar nos carvalhos, durante o dia, ou os “Saca Rabos” (espécie de gato bravo) quando procuram caça, coelhos ou javalis desgarrados. De certa forma, são todos meus “afilhados”!

Quantos às perdizes, nem vê-las!

Como posso escolher um dos dois caminhos que tenho à disposição para ir e vir, alterno. Um deles, de curvas bem contadas, talvez umas noventa! Se a paciência é pouca, vou pelo outro - sempre é mais a direito por entre os pinheiros de porte alto.

É neste percurso menos sinuoso que tenho, quase sempre, os meus encontros imediatos, talvez por bordejar, em certa medida o “meu rio” (pobre dele, quase morto). Como os meus “amigos” bichos matam a sede nas águas do Alva, andam por lá, fazem os ninhos nas árvores, ocupam as tocas de uma assoalhada e convivem entre si segundo as regras da mãe Natureza.

Surpresa maior: há dois dias, depois de (mais) uma curva, reparei que estavam uns “pompons” enroscadinhos na berma da estrada. Parei, as bolinhas de pelo ganharam vida e, meio assustadas esconderam-se na valeta pouco profunda. Contei quatro cachorrinhos matizados, entre o branco e o preto, alguns com tons de cinzento no pelo.

No dia seguinte, à hora do almoço, levei-lhes meia dúzia de conchas de sopa – daquela que só a mãe Natália sabe fazer, espessa e saborosa, de fazer crescer água na boca só de olhar!

Então, decidi: como não posso ter uma vaca de raça “Arouquesa” mesmo minha, e como não sou “padrinho” de nenhum animal em cativeiro, no Jardim Zoológico”, assumi a responsabilidade de alimentar, pelo menos uma vez por dia, os “meus pompons” - que afinal são seis e não quatro! - mais a mãe, baixota e feia de tão magra, mas que “sorri” abanando o rabo sempre que me vê chegar; fica especada a olhar os filhotes e é incapaz de se servir um pouco que seja da ração que despejo em recipiente próprio – sirvo-a à parte, “agradece” com o mesmo “sorriso”, e quando volto à estrada, pelo canto do olho, vejo que continua de rabito no ar, como se estivesse a dizer adeus.

22 de junho de 2007

Como se fossem dois adolescentes

A meio da tarde, no bar, havia mesas livres; o casal entrou, escolheu uma delas, olharam os dois em redor e, já instalados, pediram que lhe servisse duas bebidas.

Os olhares perdiam-se pelas paredes, onde estavam exposta pinturas do Wild de Wildt, Rui Monteiro e Alberto Péssimo; a. música ambiente aconchegava o sossego do momento e o tom das suas vozes era suave.

Tocou um telemóvel, a senhora atendeu, levantou apenas um pouco a voz e falou em francês, expedita, de forma alegre. Repetiu por três vezes merci, e continuou, veloz, na articulação das palavras – sinal de que, para si, a língua de Nicolas Sarkozy lhe era familiar…

O cavalheiro, entretanto, inquire sobre o espaço: é público, não? Respondo afirmativamente. Sabe, acrescenta, como tem um estilo completamente diferente do habitual, a minha esposa deduziu que fosse um “clube privado”. Em traços largos, explico que o comércio das bebidas era um pretexto para algumas actividades culturais - a exposição que tinham à sua frente era um exemplo disso mesmo.

Terminada a conversa, foi a vez da senhora parabenizar os autores das obras expostas e quem tivera o arrojo de colocar de pé o espaço como se apresenta.

Agradeci a generosidade do que foi dito.

Pergunto se estão de férias por estas paragens. Responde a senhora: de férias já estamos há imenso tempo, somos reformados, e viemos de Leiria passar uns dias a esta região, que desconhecíamos em absoluto, pernoitamos na Pousada do Convento do Desagravo e durante o dia damos uns passeios por aí. É muito lindo, tudo aqui à volta, a serra, tudo!

O encantamento do olhar, transmitia alegria, satisfação, prazer, felicidade na forma mais pura – que sei eu desse sublime sentimento?

Sempre de sorriso nos lábios, desenhados num rosto de enorme beleza, disse ao que vieram em concreto, desvendou o segredo, enquanto o marido, talvez um pouco envergonhado, olhava terno e meigo a “jovem” e bonita esposa: faço hoje oitenta anos, e o meu marido presenteou-me com este magnífico passeio.

Oitenta?

Não, não imaginava aquela figura esbelta, meã na altura e aspecto prazenteiro com uma mão cheia de “viçosas primaveras”, muito próxima do centenário que, acrescentei, por certo irá comemorar…

Pedi licença por breves segundos, saí, fui à florista Clara, logo na esquina, comprei uma rosa (que não paguei, por que a Clara conhece de longe o meu “vício” por flores e partilha comigo a sensibilidade do belo, e volta não volta tem destas delicadezas…), e com o meu melhor sorriso ofereci-a à bonita senhora – apenas uma lembrança com que procurei honrar o seu aniversário e o amor do casal

…Fiquei com a sensação de que a rosa vermelha “ganhou vida própria” e um “rosto” – “um dos olhinhos sorriu, atirou-me uma piscadela” e eu fiquei a ver o casal, de mão dada, rua acima, como se fossem dois adolescentes apaixonados.

30 de maio de 2007

29 de maio de 2007

"Mãe Coragem"

O texto é um pouco longo, mas justifica alguma atenção.
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Logo a seguir à revolução de Abril, o Teatro Ádoque levou à cena, em Lisboa, a peça de Bertolt Brecht ,“Mãe Coragem” – coisa nunca vista antes na capital do Império, por razões de fácil dedução!

A força da personagem transvaza de intensidade no apego de uma mulher à vida; os filhos e a sobrevivência (através do negócio) da família ,em tempo de guerra, não permitem demasiados sonhos! Ela pode ser tudo, menos “heroína”!

Margarida Neves, necessariamente noutro contexto, é outra “mãe coragem” que Brecht não teria desdenhado - como a Anna Fierling, fica-lhe bem o epíteto de “mãe do coração”.

MARGARIDA NEVES

Os cenários, estilizados ou não, a carroça que a ”Mãe” arrasta em cena, os filhos, que acaba por perder na guerra, os diálogos, as canções – eis parte da “estória”.

Para a Margarida Neves, o papel que lhe coube em sorte, na vida real, faz dela outra “mãe coragem”, ou não fosse mulher de carácter, capaz de aceitar com afecto, dedicação, e o sacrifício que se adivinha, a educação de uma criança carenciada de toda e qualquer qualidade de vida.

Tudo começou com a iniciativa da Joana, sua filha mais nova:

A principio as visitas eram espaçadas, começou pelo Natal, depois aos fins-de-semana; os laços de ternura foram ficando cada vez mais apertados, passaram-se seis anos - tempo suficiente para o Vasco André se transformar no filho que a Margarida nunca teve.

- “Um dia de Dezembro de 2001, a Joana perguntou se podia ir ao Centro de Acolhimento Temporário, em Tábua, e trazer um menino de seis anos para passar o Natal connosco, por sugestão do CAT. Disse que sim, com toda a naturalidade, e a partir daí a criança passou a fazer parte da família a “meio tempo”.

Ano e meio depois, o menino tinha os índices emocionais quase estabilizados e melhorara o aproveitamento escolar; a pedido da Assistente Social que acompanhava o processo de inserção do Vasco, ficámos como “Família de Acolhimento”. Iniciou-se o processo jurídico no Tribunal de Menores, e em Novembro e 2003 o Vasco foi transferido de Tábua para Oliveira. Tratámos de o matricular na escola em Oliveira, mas por razões várias teve de ir para Gavinhos. De manhã vou deixá-lo na escola, à tarde, depois de sair do meu emprego, vou buscá-lo, Felizmente tenho alguma colaboração para ele ocupar os tempos livres, principalmente da professora Belmira, inexcedível de atenções e cuidados no seu processo evolutivo.

Quando entrar para o Ciclo, espero que lhe seja dispensado tratamento semelhante porque as exigências escolares e de companheirismo são outras”.

Um menino vindo de longe

Vasco André Guedes Vicente, tem doze anos, frequenta a quarta classe da escola de Gavinhos, e nasceu em S. João da Pesqueira. Os pais, de origem humilde, não têm disponibilidades económicas para sustentar a família; um dos irmãos do Vasco, que também esteve no CAT de Tábua, foi adoptado, e é por aí que se ficam as memórias desta criança. Da sua nova família, diz que é constituída pela “mãe Guida, duas irmãs e uma sobrinha (as filhas e neta da Margarida Neves)”. Dos pais naturais não fala.

- Acredito que não tenha saudades dos pais, mas estou em crer que pensa neles, embora nunca tenha comentado o que quer que fosse. É traumatizante para qualquer criança o sentimento de desprezo a que está sujeito, como foi o caso: falta de carinho, alimentação, higiene e todos os outros cuidados básicos são demasiadas falhas no crescimento harmonioso de qualquer ser humano. O Vasco, infelizmente, carregava esse enorme fardo, pesadíssimo como se imagina; a nossa obrigação (minha e das minhas filhas) a partir do momento em que decidimos que ele passaria a fazer parte da família deixou de ter limites, e tudo temos feito para que ele se transforme num homem responsável e educado, honesto e trabalhador – não vamos exigir que seja “doutor”, mas será, estou certa, trabalhador exemplar, talvez “Bombeiro”, que é um dos seus sonhos de menino; para o aproximar da Instituição, vai começar pela Fanfarra”…

Necessariamente, o Vasco continua com acompanhamento científico, a pedido da mãe Margarida, que realça o excelente trabalho desenvolvido pela Psicóloga Patrícia, com quem o Vasco gosta de estar.

- “O menino quando veio para junto de nós tinha algum atraso no crescimento, por isso todo o trabalho que tem sido desenvolvido por quem lida de perto com o Vasco tem sido fundamental. Leva tempo até ele conviver com os jovens da sua idade com os mesmos objectivos, porque continua a existir uma diferença de comportamento em relação às outras crianças da sua idade. Com doze anos, já deveria frequentar outra escola e ter acompanhamento específico, mas infelizmente, no nosso País, é difícil para os pais de crianças inadaptadas recorrerem a outras alternativas no ensino”.

Margarida Neves consolidou o respeito e admiração de quem conhece o “caso Vasco” com algum pormenor, e elogia-se a coragem que, na sua opinião, ”não considera como tal”.

- “Eu e as minhas filhas fizemos o que as nossas consciências determinaram, e não contabilizamos os esforços económicos, físicos e mentais quando está em causa um ser humano carenciado. Faço a minha parte – espero que a sociedade cumpra com a sua”.

Adoptar o Vasco André não é prioritário. Segundo a Lei, a criança, a família de acolhimento e os pais naturais ficam sujeitos a avaliação de dois em dois anos. Nestes seis anos de “Mãe Coragem”, diz Margarida, as maiores alterações, francamente positivas, aconteceram na mente do Vasco – cresceu, evoluiu, fez-se “homem”, e lá mais para a frente, promessa de mãe, há-de conhecer os irmãos e os pais biológicos.

24 de maio de 2007

"Porto Seguro"



Coloco a frase no masculino e fico eu, por inteiro...
" Aprendi com a primavera a deixar-me cortar e voltar sempre inteira "
(Cecília Meireles)
(Surripiado à Teresa, quase família dos meus afectos)

15 de maio de 2007

Nós, os crescidos

Diz-se por aqui que está eminente o divórcio de um simpático e conhecido casalinho com quem mantenho excelente relação de amizade.

Como se calcula, o caso é notícia de primeira página - até a minha mãe, que passa das oitenta primaveras, veio, pedindo segredo, dizer-me para não comentar, mas fala-se, se eu sabia de alguma coisa; que não, respondi – e a conversa morreu assim mesmo.

Na verdade, a resposta foi uma mentirinha sem maldade.

Conheço a situação com algum pormenor, e lamento que pouco ou nada possa ser feito, na opinião de um dos intervenientes na futura contenda jurídica, para “salvar” uma relação de anos, “abençoada” com a existência de uma criança – é ela que me traz a terreiro na vontade de tecer meia dúzia de considerações muito minhas, mas sem direitos de autor, de tão comezinhas que são, ao alcance da lógica comum.

Quando o casamento começa a ficar preso por arames, a separação é, na maior parte das vezes, uma boa solução, se for equilibrada, respeitosa e civilizada. Na falta do amor, que fique amizade, respeito (sempre!), compreensão e o indispensável diálogo. Existem, como se sabe, situações onde nem sempre é possível levar o barco a bom porto, com consequências dramáticas

Cada caso é um caso, com leitura específica, e como não tenho formação científica que me permita argumentar com explicações filosóficas ou outras, falo do que sei, das minhas experiências …

O casamento talvez seja um jogo de “fortuna e azar”.Por mim, sou capaz de encarar o contrato matrimonial como o preâmbulo de uma peça de teatro em vários actos: nuns, a comédia toma conta do cenário; noutros, o drama desvirtua o texto original e fica sem actores à altura do enredo

Da plateia, vejo o casalinho à boca do proscénio; os dois vão sair de cena sem honra nem glória, depois do desempenho dos personagens ter merecido aplausos até ao segundo acto.

O estilo da peça talvez se transforme numa tragicomédia: a família assiste, impotente, e a criança, filha do casalinho desavindo, fica sem espaço para desempenhar o papel que lhe cabia por direito.

Na verdade, nós, os crescidos, pouco nos importamos com os efeitos devastadores de um divórcio antecedido de mentiras e enganos, com ou sem violência física, mas certamente com alguma tirania verbal - é da praxe que assim seja(?), na maioria das vezes. A gravidade é maior quando os filhos assistem aos mimos com que os pais se digladiam, mas esse pormenor parece não justificar moderação nas palavras e nos actos.

Mais tarde, as críticas da comunidade, a propósito do comportamento cívico de determinado jovem, podem ser injustas, se as culpas lhe são assacadas por inteiro. Nós, os crescidos, com facilidade sacudimos a “água do capote”, mas continuamos críticos, perversos e parciais na justeza das opiniões

O tema a que me propus tem girado à volta da ausência do amor no casamento e, por essa razão, sem os valores morais com que se construiu um mundo de sonhos.

Por outro lado, embora existindo amor, que dizer dos descasamentos sugestionados por bruxos e adivinhos?

Nem tudo se sabe a este respeito, mas aqueles (as) que não acreditam nos especialistas, sempre vão dizendo… que os há – na dúvida (?), deixam uma porta meio aberta; nunca se sabe… há atribulações que justificam todos os “meios” para descortinar o futuro!

Sempre existiram pessoas com determinadas faculdades para as quais não encontramos explicação, e a comunidade científica não tem respostas absolutas para o transcendental; mesmo assim, terminar uma relação amorosa, porque as cartas, os búzios, a bola de cristal ou outro tipo de suporte “espiritual” o determina, não lembra ao “diabo”!

Em tempos não muito recuados, uma decisão do estilo foi demasiado dolorosa para quem seguiu o conselho do (a) “vidente”.O matrimónio, na verdade, atravessara tempos difíceis, mas nem de boatos se alimentou a opinião pública; o casal dialogou e tudo parecia ter voltado à normalidade; o amor entre os dois e os filhos mereciam nova oportunidade.

Um dia, a senhora, que sempre fora mãe exemplar e esposa dedicada, tomou a drástica deliberação de abandonar a casa da família, marido e filhos, sem razões aparentes que o justificassem!

…Soube-se, mais tarde, quando uma depressão lhe minava o corpo e a alma, que os “astros”, pela voz de certo charlatão, tinham deixado aviso solene: o marido seria acometido de doença fatal e ela iria passar tempos difíceis, cuidando dele. Então, contou, faltou-lhe coragem para enfrentar a “enfermidade do companheiro”, e numa atitude de total cobardia, saiu de cena!

A consciência, primeiro num sussurro, depois aos “berros”, chamou-lhe nomes feios – tão feios que, diz, fizeram dela a imagem da vergonha!

Se o arrependimento tivesse asas, teria voltado ao aconchego do ninho no beiral, como as andorinhas na Primavera, mas era tarde de mais!

O ex-marido está de boa saúde e recomenda-se.

2 de maio de 2007

"Pavarotti" de penas

Forçado ao repouso, procuro cumprir com algum rigor a abstinência ao trabalho e às conversas longas; a dieta alimentar é sensaborona, mas o que mais me cansa, é estar de costas direitas, à espera que o tempo passe. A inércia nunca fez parte dos meus hábitos, mas como a ordem veio de cima, do médico que me assistiu nos HUC, faço-lhe a vontade, na esperança, como disse, de continuar por cá por mais uns tempos – sempre acontecem coisas novas, se não houver sabedoria, que haja conhecimento!

Na aldeia onde me "refugiei", o tempo parece mais vagaroso, por isso deixo o olhar perder-se no horizonte, visto do meu quintal: mimosas "perna-longas" de um lado, casas velhas desabitadas à minha frente, do outro lado, lá longe, um monte coberto de pinheiros, e atrás de mim a sombra da casa resguarda-me do calor primaveril.

No relvado, um melro anda aos saltinhos e em silêncio (e se é bonito o seu cantar!); faço um pequeno gesto, levanta voo e esconde-se na selva que invadiu o quintal do vizinho. Às mimosas, juntaram-se as silvas e arbustos que não conheço, cobrindo por completo as oliveiras. O melro deve ter o ninho nesta mata impenetrável…

Os pesticidas que os meus conterrâneos usam nos ataques às pragas e ervas daninhas (uma boa infusão de urtigas resolvia, não é "mestre" Zeferino?) afugentaram os pintassilgos que, noutros tempos, festejavam a Primavera com acordes de uma sinfonia, em homenagem à mãe Natureza. Uma vez, aqui perto, descobri um ninho destes passarinhos. Espreitei e vi três ovinhos de cor creme, pintalgados de cinzento. Dei tempo ao tempo e acompanhei a eclosão da ninhada.

Quando o vizinho (habituado a ir "aos ninhos" desde miúdo, coisa que nunca fiz…) entendeu que tinha chegado a hora da transferência, fez-se a mudança para uma gaiola, na esperança de que os pais, segundo ele, os alimentassem; estes, coitados, não gostaram que tivéssemos interferido na educação dos filhotes, por isso manifestaram-se de forma "ruidosa", sem se aproximarem da prisão, o que me deixou preocupado e, mais do que isso, bastante incomodado. Nem uma hora durou o martírio, porque, com paciência e jeito, devolvi os bebés à "casa" onde nasceram, felizmente sem consequências graves. Tempos depois, a família estava junta nos ramos da oliveira. Decidi que não voltaria a cercear a liberdade a nenhum animal que estivesse habituado à liberdade.

Para que a gaiola de grades brancas não ficasse vazia, comprei um canário de cor amarela – um autêntico tenor pela qualidade e pujança do canto! A partir de então, esta espécie de ave canora passou a fazer parte do meu mundo de sons. Agora, são dois os cantores que tenho na sala, cada um na sua gaiola. O mais atrevido é jovem e irrequieto; nunca lhe dei nome de gente, o que não aconteceu com o "Pavarotti", que habita a gaiola do rés-do-chão – baptizado com propósito pela Acácia à saída da loja da especialidade. Meses depois, a Acácia decidiu que lá em casa dois gatos não eram, de facto, a melhor companhia para o cantor de penas, ainda que este estivesse a salvo das arremetidas dos felinos, e pediu-me para o trazer para o jardim de entrada do meu local de trabalho.

As vidas do "Pavarotti" e do seu companheiro tenor eram tranquilas, pareciam "felizes" no cativeiro e as pessoas deliciavam-se com as "cantigas ao desafio". Um dia, a Acácia veio com uma novidade afiada na ponta da língua e quebrou em estilhaços o laço de cristal Lalique que prendia os sentimentos de ambos. Nessa hora, a sorte do "Pavarotti" ficou traçada: não voltaria à varanda do terceiro andar!

Agora, canta só para mim.

O Melro, esse insiste nos saltinhos, levantou vôo e leva qualquer coisa no bico. No meio daquela selva, quem se atreve a procurar o ninho?